Arquitetura 6 min de leitura

Escondendo comportamento dentro de uma aplicação: escolhendo a camada certa para a preocupação certa

Entenda como escolher a técnica e camada adequadas para implementar comportamentos em aplicações, desde cross-cutting até separação arquitetural, e por que conhecer o lifecycle é fundamental.

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Sapiens IT Team

Escrito por engenheiros que constroem antes de escrever.

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Escondendo comportamento dentro de uma aplicação: escolhendo a camada certa para a preocupação certa

Escondendo comportamento dentro de uma aplicação: escolhendo a camada certa para a preocupação certa

Introdução: o desafio de onde colocar comportamentos

Ao desenvolver aplicações, surge a questão: onde implementar um comportamento específico? Essa decisão afeta manutenibilidade, testabilidade e escalabilidade.

A arquitetura típica de uma aplicação pode ser dividida em camadas principais:

  • Interface (View/Controller)

    • Onde o pedido chega (API REST, CLI, UI, fila de mensagens).
    • Responsável por autenticação inicial, parsing de dados, roteamento.
  • Aplicação (Service/Application Layer)

    • Orquestra o fluxo do lifecycle.
    • Chama validação, regras de negócio, persistência.
  • Domínio (Model/Domain)

    • Contém regras de negócio puras.
    • Decide se pode mudar de estado. Isso é válido? Quais ações são permitidas?
  • Infraestrutura

    • Persistência (DB, cache).
    • Integração externa (pagamento, estoque, APIs de terceiros).
    • Mensageria (event bus, filas).
  • Cross-cutting

    • Segurança, logging, monitoramento, auditoria.
    • Aplicados transversalmente ao longo do ciclo.

1. Cross-cutting / Transversal

Comportamentos que atravessam várias camadas como logging, segurança, auditoria.

  • Técnicas: interceptores, proxies, decorators, AOP, instrumentação, middlewares genéricos.
  • Camada MVC: todas (Model, View e Controller).
  • Why? Não pertencem só ao domínio ou só à interface. Não têm limite. São preocupações horizontais.

2. I/O

Manipulam requisições antes de chegar ao controlador, ou respostas antes de sair.

  • Técnicas: filtros HTTP, middleware, request/response interceptors, gateways, adapters.
  • Camada MVC: Controller (ponto de entrada da interação).
  • Why? Interceptar no início/fim é mais eficiente e menos invasivo para a lógica central.

Aqui eu queria muito levantar uma reflexão e comparar o 1 com o 2 e mostrar como conhecer sobre o lifecycle da aplicação é importante na hora de escolher uma ferramenta para resolver o problema. Back to basics.

Comparando Cross-cutting vs I/O

A diferença fundamental está no momento e escopo onde cada um atua:

  • Cross-cutting: atravessa todas as camadas, aplicado durante toda a execução. Logging de uma operação de negócio precisa capturar o contexto do domínio, enquanto segurança pode verificar permissões em qualquer camada.

  • I/O: atua nos limites da aplicação, antes ou depois do Controller. Não penetra na lógica de negócio, apenas transforma ou valida o formato da comunicação.

Conhecer o lifecycle da aplicação é essencial: se o comportamento precisa acompanhar a execução através de múltiplas camadas, use cross-cutting. Se precisa apenas processar entrada/saída, use I/O. A escolha errada leva a código duplicado ou acoplamento desnecessário.

3. Eventos e Reações Assíncronas

O sistema emite sinais e outros componentes reagem sem acoplamento direto.

  • Técnicas: observer, pub-sub, event bus, filas de mensagens, hooks.
  • Camada MVC: principalmente Model (mudança de estado → evento).
  • Why? O domínio não deve saber como o mundo reage, apenas declarar o que aconteceu. Assim ele vira a ferramenta central da aplicação, e todo o resto orbita em torno dele.

Separação fundamental: I/O vs Eventos

Aqui é importante fazer uma separação bem clara entre I/O e eventos assíncronos:

  • I/O (ponto 2): atua antes ou depois do Controller, processando requisições e respostas. É sobre comunicação externa, transformação de dados, validação de formato.

  • Eventos (ponto 3): nascem dentro do domínio, quando algo relevante acontece. Entram na semântica dos objetos. O domínio declara “um pedido foi criado”, e outros componentes decidem o que fazer com essa informação.

Essa separação é crucial: I/O é sobre fronteiras da aplicação, eventos são sobre semântica do negócio. Misturar os dois cria acoplamento e dificulta a evolução da aplicação.

4. Padrão de Variação e Extensão

Definem famílias de comportamentos que podem ser trocados ou estendidos.

  • Técnicas: strategy, template method, command, plugin systems.
  • Camada MVC: Model (negócio) ou Controller (fluxo).
  • Why? Facilita trocar algoritmos, regras ou fluxos sem if/else espalhado.

Trade-offs: Variação vs Cross-cutting

Comparando com o ponto 1 (Cross-cutting):

  • Cross-cutting: comportamentos que acompanham a execução em todas as camadas. São aditivos, não substituíveis. Não mudam a lógica, apenas observam ou modificam aspectos transversais.

  • Padrão de Variação: comportamentos que substituem uma parte da lógica. Você escolhe qual algoritmo usar, qual regra aplicar. É sobre escolha, não sobre adição.

O trade-off: se o comportamento precisa ser trocado em tempo de execução ou configuração, use padrão de variação. Se precisa estar presente sempre, mas de forma transparente, use cross-cutting. A escolha errada leva a código condicional complexo ou a interceptação excessiva.

5. Geração / Configuração de Comportamento

Movem complexidade para compilação ou configuração, evitando repetição manual.

  • Técnicas: code generation, macros, annotation/attribute processors, feature flags, config-driven behavior.
  • Camada MVC: Model + Controller.
  • Why? Reduz boilerplate e permite habilitar/desabilitar recursos seja quando aperta play no deploy ou em tempo de execução.

Trade-offs e Avaliações

Esta estratégia tem custos importantes a considerar:

Vantagens:

  • Reduz código repetitivo.
  • Permite configuração dinâmica.
  • Facilita manutenção centralizada.

Desvantagens:

  • Adiciona complexidade na build/deploy.
  • Pode dificultar debugging (código gerado não é imediatamente visível).
  • Requer ferramentas e processos específicos.
  • Pode criar dependências difíceis de rastrear.

Quando usar:

  • Quando há muito boilerplate repetitivo.
  • Quando o comportamento precisa variar por ambiente ou configuração.
  • Quando a geração pode ser validada em tempo de compilação.

Quando evitar:

  • Para problemas simples que um padrão de design resolve.
  • Quando a complexidade da geração supera o benefício.
  • Quando a equipe não tem experiência com as ferramentas.

Avalie sempre: o custo da ferramenta de geração/configuração compensa a complexidade que ela adiciona?

6. Separação Arquitetural

“Esconde” comportamentos movendo-os para fora do módulo.

  • Técnicas: microservices, API gateways, backend-for-frontend, facades.
  • Camada MVC: fora do MVC (infraestrutura ao redor).
  • Why? Responsabilidades grandes ou críticas saem do app central para serviços dedicados. Tem um trade-off mais difícil porque pode envolver dinheiro.

Considerações importantes

Separação arquitetural é a solução mais “pesada” e deve ser considerada com cuidado:

  • Custos: infraestrutura adicional, monitoramento, deployment distribuído.
  • Complexidade: comunicação entre serviços, consistência de dados, transações distribuídas.
  • Latência: chamadas de rede podem impactar performance.
  • Operação: mais serviços para gerenciar, mais pontos de falha.

Use apenas quando:

  • A responsabilidade é suficientemente grande para justificar um serviço separado.
  • Precisa escalar independentemente.
  • Equipes diferentes podem trabalhar em paralelo.
  • Isolamento de falhas é crítico.

TLDR: Guia rápido de decisão

  • Se afeta toda a aplicação → cross-cutting
  • Se lida com entrada/saída → controller/pipeline
  • Se reage a mudanças de estado → model/eventos
  • Se precisa trocar algoritmos/fluxos → model/strategy/template
  • Se é boilerplate/configuração → geração/config
  • Se é grande demais → arquitetura separada

Conclusão

Escolher onde e como implementar um comportamento não é apenas uma questão técnica: é sobre entender o lifecycle da aplicação, o escopo do problema e os trade-offs de cada abordagem.

Conhecer essas seis categorias e quando aplicá-las ajuda a criar código mais limpo, manutenível e escalável. O segredo está em fazer as perguntas certas: onde no lifecycle isso acontece? Qual o escopo? Qual o trade-off que estou disposto a aceitar?

Lembre-se: não existe solução perfeita, apenas a mais adequada para o contexto. E muitas vezes, a escolha certa começa entendendo por que cada técnica existe e quando ela faz sentido.


Escrito pela equipe Sapiens IT — engenheiros que constroem antes de escrever.

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